Mike Davis é autor dos livros A cidade de quartzo: escavando o futuro em Los Angeles, Ecologia do medo e Holocaustos colonias. Na entrevista abaixo fala sobre o livro Planeta Favela lançado em 2006.
Os subúrbios das cidades do terceiro mundo são o novo cenário geopolítico decisivo
A nova realidade periurbana apresenta uma mistura muito complexa de subúrbios pobres, deslocados do centro das cidades e, no meio deles, pequenos enclaves de classe média, freqüentemente de construção recente e com muros. Nessa periurbanização encontramos também trabalhadores rurais atraídos pela manufatura de baixa remuneração e moradores dos centros urbanos que se deslocam diariamente para trabalhar na indústria agrícola. Curiosamente, este fenômeno despertou também o interesse de analistas militares do Pentágono, que consideram essas periferias labirínticas um dos grandes desafios com o qual irá se deparar o futuro com tecnologias bélicas e projetos imperialistas. Após uma época em que se centraram no estudo dos métodos de gestão empresarial moderna – ojust-in-time e o modelo Wal Mart – esses militares parecem estar agora obcecados com a arquitetura e o planejamento urbano. Os Estados Unidos desenvolveram uma grande capacidade para destruir os sistemas urbanos clássicos, mas não tiveram nenhum êxito nas "Sader Cities" do mundo. O caso de Faluya é sintomático: depois que a destroçaram com tanques de guerra e bombas cluster, os mesmos insurgentes com os quais se quis acabar a reocuparam quando acabou a ofensiva. Acredito que tanto a esquerda quanto a direita concordam que os subúrbios das cidades do terceiro mundo são o novo cenário geopolítico decisivo.
Além disso, a realidade é que os brancos não são maioria entre os cavaleiros deslocados para o estrangeiro: são americanos, sim, mas quase todos eles são também procedentes dos subúrbios. O novo imperialismo, como o velho, tem essa vantagem: a metrópole é tão violenta e aloja tanta pobreza concentrada que produz excelentes guerreiros para este tipo de campanha militar. Um professor que tive escreveu um livro magnífico que mostrava, contra todo prognóstico, que nas vitórias nas campanhas militares do Império Britânico o fator decisivo não era a tecnologia armamentista, mas a habilidade dos soldados britânicos no corpo-a-corpo com a baioneta, uma habilidade que era conseqüência direta da brutalidade da vida cotidiana nos bairros baixos ingleses.
Para além do giro em torno da violência e da insurgência, está surgindo algum sistema de auto-governo nos subúrbios?
Em quase todos os programas governamentais ou estatais que procuram abordar a pobreza urbana, o subúrbio pobre é compreendido como um simples subproduto da superpopulação. Não tenho nenhuma confiança no conceito de superpopulação. A questão fundamental não é se a população tem aumentado muito, mas como fechar a equação de ter, por um lado, a justiça social e o direito a um nível de vida decente e, por outro lado, a sustentabilidade ambiental. Não há pessoas demais no mundo, o que existe é, obviamente, um consumo excessivo de recursos não renováveis. Claro que a solução deve passar pela própria cidade: as cidades verdadeiramente urbanas são os sistemas mais eficientes, ambientalmente falando, que criamos para a vida em comum. Oferecem altos níveis de vida por meio do espaço e do luxo públicos, ou permitem satisfazer necessidades que o modelo de consumo privado suburbano não pode permitir-se. O problema básico da urbanização mundial atual é que não tem nada a ver com o urbanismo clássico. O autêntico desafio é conseguir que a cidade seja melhor como cidade. Planeta favela dá razão aos sociólogos que assinalaram nos anos 50 e 60 os problemas da suburbanização norte-americana: ocupação caótica do território, incremento dos tempos de deslocamento do domicílio ao trabalho e dos recursos associados a esse deslocamento, deterioração da qualidade do ar e falta de equipamentos urbanos clássicos.
Mas não existem cidades excessivamente povoadas para um entorno escasso em recursos, no qual estão implantadas?
Não se pode deixar levar pelo pânico do crescimento da população ou da chegada dos imigrantes; o que se deve fazer é pensar como se podem fomentar as atitudes do urbanismo para conseguir, por exemplo, que subúrbios como os de Los Angeles funcionem como uma cidade no sentido clássico. Também se deve respeitar a necessidade absoluta de conservar as zonas verdes e as reservas ambientais sem as quais as cidades não podem funcionar. A tendência atual em todo o mundo é que os pobres busquem acomodação em zonas úmidas (de mananciais) de importância vital, que se instalem em espaços abertos cruciais para o metabolismo da cidade. Aí está o exemplo de Bombaim, onde os mais pobres assentaram-se em um Parque Nacional adjacente e que, de vez em quando, são comidos pelos leopardos, ou de São Paulo, onde se empregam enormes quantidades de substâncias químicas para purificar a água para se livrar de uma batalha perdida contra a poluição na cabeceira de suas fontes de abastecimento. Se se permite esse tipo de crescimento, se são perdidas zonas verdes e os espaços abertos, os aquíferos são bombeados até esgotá-los e se são contaminados os rios, danifica-se fatalmente a ecologia da cidade.
Leia também a resenha do livro Planeta favela, escrita por Ermínia Maricato, autora do posfácio da obra e que afirma que este texto de Davis é importante para iluminar os problemas urbanos e grande parte de suas causas.
Fonte: ComCiência
Outras leituras: Planeta de Favelas. A involução urbana e o proletariado informal. Contragolpes. Seleção de artigos da New Left Review. Boitempo, 2006.