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Minha casa, teus lucros

Por Felipe Drago - ONG Cidade
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Sobre o texto de Muzell: Minha casa, gordos lucros (http://rsurgente.opsblog.org/2011/10/27/minha-casa-gordos-lucros/).
Paulo Muzell fala de um “personagem” que não sabe bem como qualificar por causa de uma declaração ao Jornal do Comércio de 11/10/2011 (http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=75430): excessivamente franco, despudorado, ou “burro”? Trata-se do diretor do Departamento Municipal de Habitação de PoA, Humberto Goulart. Resumindo as declarações de Goulart, o JC escreve:
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O diretor-geral do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), Humberto Goulart acredita que esse será o momento de dar andamento aos projetos paralisados pelas incorporadoras, esperançosos em uma maior taxa de retorno nas construções. O lucro maior para as empresas, no entanto, Goulart atribui à redução de impostos municipais e o avanço em relação ao não desconto dos terrenos doados pela prefeitura - atualmente, são 12 áreas para doação -, que agora devem ser incorporados ao custo total da obra (JComércio, 11/10/2011).
Excluindo o tema dos impostos, a primeira impressão que a notícia passa é que o aumento do lucro dos empresários através da doação de terras é uma coisa nova, que supostamente não acontecia antes, um “avanço”. Ora, a doação de terras públicas para empreendimentos públicos é uma prática antiga e socialmente referendada. A novidade aqui é a doação de bens públicos para aumentar o lucro das empresas, declarada abertamente na imprensa! Isto significa a transferência de dinheiro que é de todos os cidadãos para os caixas das empresas. Bem, entendemos que esta declaração justifica a dúvida de Muzell a respeito de Goulart.
Porém, Goulart parece nada mais que sincero quando entendemos que está legalmente respaldado pela Lei Complementar n° 363, de 13 de janeiro de 2010¹. Assim respondemos à pergunta de Muzell: “será que uma tão absurda lei de doações seria aceita e aprovada pela Câmara Municipal de Porto Alegre?” Sim, inclusive já foi aprovada!
Portanto, não sendo a doação uma “fórmula mágica”, como questiona Muzell, se supõe o seguinte: sendo necessário cada doação de terreno passar pela Câmara, a novidade é que estariam, a partir de agora, recebendo mais apoio político dos Vereadores.
Uma declaração, esta sim, feita diretamente por Goulart na rádio Guaíba e publicada no Correio do Povo (http://www.correiodopovo.com.br/Noticias/?Noticia=325243) deixa mais claras as intenções: “não podemos exigir que as construtoras construam os imóveis no carinho” (CPovo 09/08/2011). Na mesma notícia, o jornalista escreve: “Goulart repassou, há mais de 180 dias, quatro terrenos públicos ao Fundo de Arrendamento Residencial da Caixa, prevendo a construção de dois mil imóveis para famílias de até três mínimos”.
Quatro áreas, portanto, já passaram por este processo e outras 12 esperam (segundo JComércio, 11/10/2011). A lei já começa a dar seus resultados. Porém, não está claro se a doação dos quatro terrenos foi efetivada na Câmara: “Quatro empreiteiras asseguraram o direito de construção, mas até o momento sequer confeccionaram o projeto” (CPovo, 9/11/2008).
O projeto, para ser contratado pela Caixa Econômica Federal (CEF) via FAR², o termo de doação, além do próprio projeto (arquitetônico, implantação, orçamento, etc), têm de estar “certinho”, como dizem na CEF. Porém existe uma “cláusula suspensiva” que incide sobre o FAR, através da qual é possível liberar os recursos sem tudo estar “certinho”, isto é, sem a aprovação da Câmara, por exemplo. Portanto a PMPA pode ter contatado empresas para propor tais empreendimentos e tais empreendimentos podem ter sido contratados pela CEF, tudo sem a conclusão do processo de doação.
Atualmente, como se não fosse suficiente a transferência de boas parcelas de recursos do Orçamento Geral da União (dinheiro público) para os caixas das empresas da construção civil através do PMCMV, agora o poder municipal doa terras com o objetivo declarado de aumentar o lucro destas empresas. Tudo dentro dos ditames legais e, não raro, com “participação popular”. O que antes não aparecia, agora, por causa da sinceridade, do despudor ou da “burrice” do diretor do DEMHAB, fica claro.
De certa forma, tais ações e declarações demonstram com quem o poder público municipal tende a estabelecer compromisso atualmente. A idéia central do DEMHAB, a julgar pelo exposto aqui, parece ser que a habitação pode ser um direito social desde que seja viável empresarialmente, afinal, esta é nossa “realidade”. A “jogada” da PMPA é transformar o “social”, assim como já é prática no “ambiental” em âmbito nacional, num negócio lucrativo. O objetivo velado é a privatização da ação pública. Tua casa é meu lucro – se não é ainda, logo será, e com apoio público!
A conclusão que podemos tirar deste cenário é que, desde sempre, as políticas sociais, com exceções importantes, têm servido como justificativa para verdadeiros tapas na cara dos que atuam no chão da luta pelo direito à cidade e à habitação.
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NOTAS:
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1 - Publicado no DIÁRIO OFICIAL DE PORTO ALEGRE. Edição 3683, quinta-feira, 14 de Janeiro de 2010. Institui o Programa Minha Casa, Minha Vida – Porto Alegre altera o parágrafo único do art. 1º da Lei Complementar nº 548, de 24 de abril de 2006, alterada pela Lei Complementar nº 619, de 10 de junho de 2009, revoga a Lei Complementar nº 619, de 2009, e dá outras providências.
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2 – FAR: Fundo de Arrendamento Residencial, que opera com recursos de variadas fontes como o OGU e o FGTS. É operado através do PAR – Programa de Arrendamento Residencial. Serve para provisão habitacional de zero a três salários e é produzida pelo empresariado da construção civil.

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