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Secopa e Comissão de Habitação: os riscos de ser pobre em tempos de Copa do Mundo

Por Lucimar F. Siqueira
ONG Cidade

Charge: Eugenio Neves
Os problemas relacionados aos impactos das obras da Copa em Porto Alegre se avolumam e complexificam a cada dia. Um deles, em particular, atinge diretamente o elemento mais essencial na vida das famílias atingidas pelas obras: a moradia.

Desde 2008, a Prefeitura de Porto Alegre se prepara oficialmente para receber a Copa. Uma das primeiras ações foi a criação da Secretaria Extraordinária da Copa 2014 (
Secopa). No âmbito dessa secretaria, foi instituído o Comitê Organizador Sede Porto Alegre 2014, com sete grupos de atuação: Mobilidade Urbana, Turismo e Rede Hoteleira, Marketing e Eventos, Infraestrutura Esportiva, Meio Ambiente e Sustentabilidade, Voluntariado, Capacitação Profissional e Protocolo, Promoção Comercial, Tecnologia e Serviços Públicos.

Curiosamente, entretanto, justamente o ponto que impacta mais diretamente a população atingida, aquele que diz respeito ao direito fundamental de morar, não foi previsto quando criada a Secopa. Sem a possibilidade de escolher o seu futuro ou decidir sobre ele, as remoções de milhares de famílias em curso estão provocando mudanças profundas nas suas vidas e colocando em risco a própria sobrevivência.

Em outubro de 2010, lideranças que se apresentaram como representantes das comunidades da Grande Cruzeiro, acompanhadas dos vereadores DJ Cassiá, Adeli Sell e Toni Proença, reivindicaram junto à Comissão de Defesa do Consumidor e Direitos Humanos (Cedecondh) maior participação nas discussões referentes à questão (
ver blog Tronco/Postão). No dia 03 de novembro de 2010, o Prefeito Fortunati anunciou que seriam incluídos 3 representantes da comunidade no Comitê Gestor. Então, representando todas as comunidades que somam aproximadamente 80 mil moradores da Grande Cruzeiro, aquelas lideranças, que "por acaso" eram 3, foram recrutadas pelo governo municipal e assumiram a tarefa de coordenar o grupo que discutiria a questão habitacional junto ao poder público. Outra curiosidade, em nenhum momento a prefeitura explicou por que apenas a obra da Tronco tem Comitê Gestor próprio com Comissão de Habitação. Será que as outras são tão consensuais que dispensam participação?

Em março de 2011, ocorreu a primeira Audiência Pública realizada no Brasil para discutir os impactos das obras da Copa 2014. Esta audiência aconteceu em Porto Alegre, justamente pelo fato do Governo municipal e a Comissão de Habitação criada não terem dado conta de responder às comunidades sobre os compromissos assumidos ao representá-las. Até aí nada de novo. O próprio Prefeito reconheceu a "falta de comunicação" durante reunião na comunidade em 29 de junho de 2011.

Na ocasião, por pressão popular, a Secopa aceitou integrar ao grupo outros 3 representantes. De lá para cá, mesmo com ausências frequentes, este é o grupo que se reúne para discutir as remoções e reassentamentos das famílias atingidas pelas obras da Av. Tronco.

Não dá para esperar que o grupo discuta políticas habitacionais, porque nem o próprio governo municipal o faz. Tratam somente do imediato, de como resolver o empecilho em que se transformaram aqueles moradores no momento em que a Prefeitura definiu que realizaria a obra da Tronco, aproveitando a oportunidade da Copa e as facilidades colocadas pelo Governo Federal para acessar recursos do PAC.

Como se pode imaginar, com a proximidade do início da execução das obras, os problemas não resolvidos se sobrepõem e se aprofundam. Outras comunidades foram e serão atingidas nos próximos meses com as remoções, o que nos obriga a perguntar: que representação tem esses moradores junto à Comissão de Habitação da Secopa? Nenhuma. Por que não há representação da Vila Dique, Vila Nazaré, Floresta, Humaitá, além das comunidades que vivem na Av. Padre Cacique, próximas ao Estádio Beira Rio, bem como das situadas em áreas ditas de "risco", todas na fila das remoções por conta das obras para a Copa, apenas talvez com menos espaço de mídia?

A ação desta comissão chama a atenção, não apenas pelo quase privilégio de tratar exclusivamente das comunidades envolvidas nas obras da Tronco, como também pelo seu estranho alheamento quanto ao que já está acontecendo com os moradores que supostamente representam. Por exemplo, quando setores da chamada classe média foram aos jornais de forma preconceituosa e discriminatória se manifestar impiedosamente contra a possibilidade dos moradores pobres permanecerem na região, a comissão e mesmo a Secopa não foi capaz de escrever uma linha na mídia tratando da situação.

A Vila Dique não teve ainda sequer 50% das famílias reassentadas e equipamentos urbanos fundamentais ainda não inaugurados já se revelam subdimensionados, sem falar na iminência da construtora responsável encerrar suas atividades agora em dezembro. A Vila Nazaré já está em vias de remoção, sem que o novo local para reassentamento esteja minimamente em condições de receber os moradores. As famílias da Vila Floresta, por sua vez, encontram-se em meio ao impasse e empurra-empurra institucional (Infraero e governos municipal e estadual). As famílias que vivem próximos ao Estádio Beira Rio, então, estão recebendo comunicados de despejo em 15 dias! Com uma mão a prefeitura entrega comunicado de despejo e com a outra oferece cadastramento no Bolsa Família, com o argumento de que assim teriam como pagar pelas hipotecas em unidades do Programa Minha, Casa Minha Vida.

O que a Comissão de Habitação e a Secopa têm a dizer sobre isso? Não são estas comunidades e famílias atingidas pelas obras para a Copa também?

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