Artigo de Javier Auyero - PhD. Universidade do Texas, divulgado no Blog Produção Habitacional Autogestionária
Vidas e Política das Pessoas Pobres – as coisas que um etnógrafo político sabe (e não sabe) após 15 anos de trabalho de campo*
A espera é uma das formas de experimentar os efeitos do poder. “Fazer esperar… protelar, sem destruir a esperança,… postergar, mas sem decepcionar de todo” são partes integrantes do exercício de dominação… Precisamos “arrolar e submeter à análise todas as condutas associadas ao exercício de um poder sobre o tempo dos outros, quer do lado do poderoso (adiar para mais tarde, fazer esperar, atrasar, criar falsas esperanças ou, ao contrário, precipitar, surpreender) como de parte do ‘paciente’, como dizem no universo médico, um dos espaços por excelência da espera ansiosa, impotente”.
Os múltiplos modos pelos quais os seres humanos, em seus mundos da vida, pensam e sentem (e agem sobre) o tempo têm sido objeto de intenso trabalho acadêmico nas ciências sociais. O tempo, por exemplo, tem sido estudado como uma dimensão crucial do funcionamento de trocas de dons (Bourdieu) e na operacionalização das redes de patronagem. Em ambos os casos, a verdade objetiva dessas trocas (geralmente desiguais) precisa ser desconhecida para que elas possam funcionar sem problemas. O tempo – demonstram essas análises – é responsável pela ocultação.
A temporalidade é manipulável. Ela pode ser objeto de um contínuo processo de barganha ou objeto de “monitoração” desesperada, como apontam Stanley Cohen e Laurie Taylor em sua fenomenologia da ala de segurança de uma prisão inglesa.As percepções coletivas do tempo estão profundamente entrelaçadas com o funcionamento da (e resistência à) dominação social. Esses trabalhos revelam que o tempo é o locus do conflito, mas é também, com igual relevância, o doconsentimento.
“Todos os que conheço estão esperando e quase todos que conheço gostariam de rejeitar isto, pois é um pouco degradante, recende a desamparo, e mostra que não estamos em pleno comando de nós mesmos”. A espera não afeta todos da mesma maneira – nem é experimentada de modo similar.Essa espera é estratificada, que o tempo de espera apresenta variações, as quais são socialmente padronizadas e respondem a diferenças de poder. A distribuição desigual do tempo de espera tende a uma correspondência com aquela do poder. Ser submetido à espera, “sobretudo, ser submetido a uma espera excepcionalmente longa, é ser alvo de uma afirmação de que seu próprio tempo (e portanto seu prestígio social) é menos valioso do que o tempo e o prestígio daquele que impõe a espera”. E, se a espera faz aquele que espera sentir-se “dependente e subordinado”, como o fato de esperar produz esses efeitos subjetivos de dependência e subordinação? Em outras palavras, como a espera objetiva se torna submissão subjetiva?
Apesar da globalização econômica e da hegemonia neoliberal, o Estado – reduzido, descentralizado e/ou esvaziado – segue sendo um ator fundamental nas vidas dos destituídos. Mesmo funcionando mal e escasso de recursos básicos, o Estado Argentino ainda concede acesso à cidadania e provê benefícios sociais (limitados, mas vitais). Está, em outras palavras, profundamente “implicado na textura mínima da vida cotidiana” dos pobres.
*Texto adaptado para o blog.
Foto: C Romina Franceschin