Em entrevista ao Jornal do Comércio, o ex-governador diz que o OP não é colégio de representantes selecionados. Leia a matéria da jornalista Fernanda Bastos:
O Palácio Piratini projeta para este ano a implantação completa do Sistema Estadual de Participação Popular e Cidadã. O modelo irá reunir diversas ferramentas de democracia participativa, como o Orçamento Participativo (OP), o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (Conselhão), os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes), interiorizações, Gabinete Digital, os Conselhos Setoriais e a Consulta Popular. O processo será desencadeado em abril com a discussão do orçamento de 2013, com audiências públicas no Rio Grande do Sul.
Vários mecanismos já foram utilizados no primeiro ano do governo Tarso Genro (PT), mas o OP - emblema de administrações petistas na prefeitura de Porto Alegre e no Palácio Piratini - ainda não saiu do papel nem o governo informa, com clareza, quando será retomado. Depois de manifestações do presidente estadual do PT, Raul Pont, e do ex-secretário Flavio Koutzii (PT) em defesa da volta do Orçamento Participativo, o ex-governador Olívio Dutra prega a implementação do sistema que ele aplicou em sua gestão no Piratini (1999- 2002).
Presidente de honra do PT gaúcho, Olívio afirma nesta entrevista ao Jornal do Comércio que o modelo do Orçamento Participativo não pode ser substituído por outras iniciativas, como a Consulta Popular. Entende que sua retomada “não só é válida como necessária” e aposta em avanços nessa gestão. “Tenho certeza de que o nosso governador tem essa vontade.”
Olívio ainda relembra as dificuldades que enfrentou para implantar o OP no Estado, como uma liminar impedindo que o governo dispusesse de funcionários para auxiliarem na coordenação da iniciativa. E sustenta que as condições para o Executivo reeditar o processo hoje são bem melhores.
Jornal do Comércio - Qual é a sua expectativa em relação à retomada do OP no governo?
Olívio Dutra - Torço enormemente. Tenho certeza de que o nosso governador tem essa vontade, essa disposição. Especialmente porque o OP não é uma receita pronta e acabada.
JC - A retomada do OP estadual após dois governos seria válida para o Rio Grande do Sul?
Olívio - Não só é válida como necessária. No governo do Estado não tínhamos um projeto em nível nacional (Fernando Hernique, do PSDB, era presidente) que nos reforçasse. Ao contrário, o projeto nacional era do Estado mínimo, da privatização e, mesmo assim, e até por isso, com o OP conseguimos implementar um projeto diferente que fez bem para o governo.
JC - Acredita que iniciativas como a Consulta Popular possam ser equivalentes ao OP?
Olívio - Quando chegamos ao governo também havia outras instâncias, mas seletivas, para determinado público. O OP não é um espaço com seleção antecipada. É para que todos possam participar, de maneira progressiva e consciente. Entidades de empresários, dos trabalhadores, dos movimentos comunitários são importantes para a representação específica de suas categorias e seus setores. Nada impede que participem, mas o OP não é um colégio de representantes selecionados. É a comunidade que se autodetermina. Podem escolher comissões, representantes para estudar mais a fundo essa ou aquela questão. Mas os projetos não podem ser tecnoburocráticos, têm que ser discutidos com a população. Na Consulta Popular vem algo já decidido que o cidadão vai escolher. O OP, no meu entendimento, não exclui ninguém, mas também não é uma parte de um outro total. O OP não pode ser incluído num balaio de siglas.
JC - As condições para a implementação do OP hoje são mais favoráveis do que no seu governo?
Olívio - Bem mais favoráveis. Tem muito mais municípios com essa visão do estímulo à participação. O governo federal é parceiro. Mas, evidentemente, o OP não é um projeto de curto prazo, nem um programa de governo, é uma conquista da cidadania. O cidadão, independente do partido, das condições econômicas, das postulações ideológicas, tem que ter voz, poder de ouvir, ser ouvido e isso ser registrado. E nem tudo que uma comunidade reivindica pode ser atendido, porque há condições que têm que ser articuladas.
JC - Que balanço faz do OP no seu governo?
Olívio - O Orçamento Participativo, quando chegou no governo do Estado, já tinha 10 anos de uma exitosa implementação local, em Porto Alegre e outras cidades, mas especificamente na Capital, no governo da Frente Popular, quando fui prefeito (1989-1992). Chegamos ao governo do Estado e teríamos que realizá-lo no Rio Grande do Sul, com 496 municípios. Não tínhamos maioria na Assembleia e houve, inclusive, uma ação judicial (do então deputado federal Alceu Collares, do PDT) para impedir que o governo implementasse o OP. Levamos um ano para derrubar essa liminar e, mesmo assim, no primeiro ano, pudemos executar o início do processo através das entidades do movimento social popular comunitário, que chamaram reuniões, realizaram assembleias.
JC - E depois de superadas essas dificuldades?
Olívio - O segundo ano serviu para que fizéssemos assembleias nos municípios, e a maioria deles não era governada por partidários que compunham o governo. Mas, mesmo assim, a maioria dos prefeitos participava das plenárias porque o OP trazia para a comunidade dados do orçamento estadual, procurava encadear as necessidades do município e da região com o Estado e a visão de desenvolvimento sustentável descentralizado que queríamos. Isso possibilitava uma discussão de receita e despesa pública ampla, das possibilidades de investimento e dos projetos para tentar recursos extraorçamentários. Realizamos muitas obras sem ter feito promessa na campanha. Foram executadas porque foram discutidas nas assembleais do OP.
JC - Assembleias regionais.
Olívio - O Estado foi dividido em regiões e nas plenárias se cruzavam necessidades, potencialidades e demandas. O conselho estadual do OP se reunia com representações locais e regionais, fazendo um peneiramento, que era avaliado nas plenárias e depois ia para um documento, uma espécie de livro (o Plano de Investimentos), que se submetia às comunidades e dava condições de elas acompanharem e também garantir que nenhum centavo do dinheiro público fosse desperdiçado. O OP foi uma grande experiência e ainda precisa ser melhor implementado. Há enormes possibilidades para se aplicar bem os recursos públicos segundo as necessidades das comunidades, que discutem e recebem dados sobre receita e despesa pública. Isso é muito importante.
JC - Por quê?
Olívio - É um processo também de evitar corrupção, porque a comunidade fica atenta e acompanha a execução dos projetos e das obras. É muito bom esse protagonismo do cidadão no município de sua região. Que bom se tivéssemos o OP como forma de discutir nos três níveis (municipal, federal e estadual). E o OP não discute apenas a feitura de um orçamento para o outro porque tem obras que não se executam de um ano para o outro. Ultrapassa, inclusive, o mandato de um governo.
JC - Como aprimorar o OP?
Olívio - O OP é um esforço permanente para o exercício da democracia. O governo tem que ir à comunidade ouvir, propor, discutir alternativas. Não se pode perder jamais o caráter provocativo que o OP tem sobre a cidadania ativa. E ter cada vez mais pluralidade interna e também os empresários, sejam pequenos, médios ou grandes, aceitando e participando desse processo. Não pode fazer do OP uma união para os pobres enquanto outras fatias do orçamento se discutem com outros setores. O OP é todos, um processo coletivo e solidário para aplicação dos recursos. Com pouco se pode fazer muito mais e melhor.
Fonte: Jornal do Comércio, edição de 13/03/12.
O Palácio Piratini projeta para este ano a implantação completa do Sistema Estadual de Participação Popular e Cidadã. O modelo irá reunir diversas ferramentas de democracia participativa, como o Orçamento Participativo (OP), o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (Conselhão), os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes), interiorizações, Gabinete Digital, os Conselhos Setoriais e a Consulta Popular. O processo será desencadeado em abril com a discussão do orçamento de 2013, com audiências públicas no Rio Grande do Sul.
Vários mecanismos já foram utilizados no primeiro ano do governo Tarso Genro (PT), mas o OP - emblema de administrações petistas na prefeitura de Porto Alegre e no Palácio Piratini - ainda não saiu do papel nem o governo informa, com clareza, quando será retomado. Depois de manifestações do presidente estadual do PT, Raul Pont, e do ex-secretário Flavio Koutzii (PT) em defesa da volta do Orçamento Participativo, o ex-governador Olívio Dutra prega a implementação do sistema que ele aplicou em sua gestão no Piratini (1999- 2002).
Presidente de honra do PT gaúcho, Olívio afirma nesta entrevista ao Jornal do Comércio que o modelo do Orçamento Participativo não pode ser substituído por outras iniciativas, como a Consulta Popular. Entende que sua retomada “não só é válida como necessária” e aposta em avanços nessa gestão. “Tenho certeza de que o nosso governador tem essa vontade.”
Olívio ainda relembra as dificuldades que enfrentou para implantar o OP no Estado, como uma liminar impedindo que o governo dispusesse de funcionários para auxiliarem na coordenação da iniciativa. E sustenta que as condições para o Executivo reeditar o processo hoje são bem melhores.
Jornal do Comércio - Qual é a sua expectativa em relação à retomada do OP no governo?
Olívio Dutra - Torço enormemente. Tenho certeza de que o nosso governador tem essa vontade, essa disposição. Especialmente porque o OP não é uma receita pronta e acabada.
JC - A retomada do OP estadual após dois governos seria válida para o Rio Grande do Sul?
Olívio - Não só é válida como necessária. No governo do Estado não tínhamos um projeto em nível nacional (Fernando Hernique, do PSDB, era presidente) que nos reforçasse. Ao contrário, o projeto nacional era do Estado mínimo, da privatização e, mesmo assim, e até por isso, com o OP conseguimos implementar um projeto diferente que fez bem para o governo.
JC - Acredita que iniciativas como a Consulta Popular possam ser equivalentes ao OP?
Olívio - Quando chegamos ao governo também havia outras instâncias, mas seletivas, para determinado público. O OP não é um espaço com seleção antecipada. É para que todos possam participar, de maneira progressiva e consciente. Entidades de empresários, dos trabalhadores, dos movimentos comunitários são importantes para a representação específica de suas categorias e seus setores. Nada impede que participem, mas o OP não é um colégio de representantes selecionados. É a comunidade que se autodetermina. Podem escolher comissões, representantes para estudar mais a fundo essa ou aquela questão. Mas os projetos não podem ser tecnoburocráticos, têm que ser discutidos com a população. Na Consulta Popular vem algo já decidido que o cidadão vai escolher. O OP, no meu entendimento, não exclui ninguém, mas também não é uma parte de um outro total. O OP não pode ser incluído num balaio de siglas.
JC - As condições para a implementação do OP hoje são mais favoráveis do que no seu governo?
Olívio - Bem mais favoráveis. Tem muito mais municípios com essa visão do estímulo à participação. O governo federal é parceiro. Mas, evidentemente, o OP não é um projeto de curto prazo, nem um programa de governo, é uma conquista da cidadania. O cidadão, independente do partido, das condições econômicas, das postulações ideológicas, tem que ter voz, poder de ouvir, ser ouvido e isso ser registrado. E nem tudo que uma comunidade reivindica pode ser atendido, porque há condições que têm que ser articuladas.
JC - Que balanço faz do OP no seu governo?
Olívio - O Orçamento Participativo, quando chegou no governo do Estado, já tinha 10 anos de uma exitosa implementação local, em Porto Alegre e outras cidades, mas especificamente na Capital, no governo da Frente Popular, quando fui prefeito (1989-1992). Chegamos ao governo do Estado e teríamos que realizá-lo no Rio Grande do Sul, com 496 municípios. Não tínhamos maioria na Assembleia e houve, inclusive, uma ação judicial (do então deputado federal Alceu Collares, do PDT) para impedir que o governo implementasse o OP. Levamos um ano para derrubar essa liminar e, mesmo assim, no primeiro ano, pudemos executar o início do processo através das entidades do movimento social popular comunitário, que chamaram reuniões, realizaram assembleias.
JC - E depois de superadas essas dificuldades?
Olívio - O segundo ano serviu para que fizéssemos assembleias nos municípios, e a maioria deles não era governada por partidários que compunham o governo. Mas, mesmo assim, a maioria dos prefeitos participava das plenárias porque o OP trazia para a comunidade dados do orçamento estadual, procurava encadear as necessidades do município e da região com o Estado e a visão de desenvolvimento sustentável descentralizado que queríamos. Isso possibilitava uma discussão de receita e despesa pública ampla, das possibilidades de investimento e dos projetos para tentar recursos extraorçamentários. Realizamos muitas obras sem ter feito promessa na campanha. Foram executadas porque foram discutidas nas assembleais do OP.
JC - Assembleias regionais.
Olívio - O Estado foi dividido em regiões e nas plenárias se cruzavam necessidades, potencialidades e demandas. O conselho estadual do OP se reunia com representações locais e regionais, fazendo um peneiramento, que era avaliado nas plenárias e depois ia para um documento, uma espécie de livro (o Plano de Investimentos), que se submetia às comunidades e dava condições de elas acompanharem e também garantir que nenhum centavo do dinheiro público fosse desperdiçado. O OP foi uma grande experiência e ainda precisa ser melhor implementado. Há enormes possibilidades para se aplicar bem os recursos públicos segundo as necessidades das comunidades, que discutem e recebem dados sobre receita e despesa pública. Isso é muito importante.
JC - Por quê?
Olívio - É um processo também de evitar corrupção, porque a comunidade fica atenta e acompanha a execução dos projetos e das obras. É muito bom esse protagonismo do cidadão no município de sua região. Que bom se tivéssemos o OP como forma de discutir nos três níveis (municipal, federal e estadual). E o OP não discute apenas a feitura de um orçamento para o outro porque tem obras que não se executam de um ano para o outro. Ultrapassa, inclusive, o mandato de um governo.
JC - Como aprimorar o OP?
Olívio - O OP é um esforço permanente para o exercício da democracia. O governo tem que ir à comunidade ouvir, propor, discutir alternativas. Não se pode perder jamais o caráter provocativo que o OP tem sobre a cidadania ativa. E ter cada vez mais pluralidade interna e também os empresários, sejam pequenos, médios ou grandes, aceitando e participando desse processo. Não pode fazer do OP uma união para os pobres enquanto outras fatias do orçamento se discutem com outros setores. O OP é todos, um processo coletivo e solidário para aplicação dos recursos. Com pouco se pode fazer muito mais e melhor.
Fonte: Jornal do Comércio, edição de 13/03/12.